Por que temos tantas dificuldades nos relacionamentos? Pais e filhos. Família. Amantes. Amigos. Colegas de trabalho e estudo. Vizinhos de bairro. Todos têm suas próprias queixas sobre os desafios para manter relações edificantes e amigáveis. Mas será que investimos algum tempo para refletir sobre nossa contribuição para amenizar ou incrementar essas dificuldades?
Estamos no mundo com pessoas.Somos seres relacionais. Precisamos interagir para sobreviver. Nossos projetos de autorrealização envolvem, necessariamente, os outros. E a despeito da auto-evidência desse fenômeno, nem sempre estamos conscientes disso. E ás vezes, agimos como se fossêmos náufragos autossuficientes, isolados em ilhas desertas.
Muitos têm atitudes que parecem negar o fato de que quando nascemos, somos lançados no centro de vidas que se entrelaçam: nossos pais, a família, os amigos de nossos pais. E não há como fugir. Para onde formos, onde estivermos, somos parte de uma teia de relações que se interliga irremediavelmente.
E hoje, que precisamos construir nossa network (rede de trabalho) para uma vida profissional bem realizada, como não valorizar o fato de que somos agentes causadores de bem ou mal-estar nos ambientes? Como ignorar o papel da forma como interagimos no desencadear de eventos agradáveis ou não à nossa busca de realização, pessoal ou profissional?
Então, se é inútil ignorar esse aspecto central de nossa existência; se precisamos conviver e interagir, porque não fazê-lo com um mínimo de esforço para uma sociabilidade gratificante para nós e nossos pares?
Cada vez mais, nas entrevistas para admissão ou ascensão no mundo do trabalho, a habilidade que o candidato apresenta para construir amizades e estabelecer vínculos duradouros é mais valorizada. Os estudiosos do comportamento humano já perceberam que alguém capaz de ser um bom amigo, terá mais possibilidades de construir relações de trabalho produtivas e harmônicas.
O filósofo Áttalo da Roma Antiga dizia que “É mais doce fazer um amigo do que já tê-lo, assim como é mais doce para um artista pintar um quadro do que já tê-lo pintado.” Concordo com o pensador romano quanto à alegria de fazer uma nova amizade, mas manter um amigo é tarefa de sábios.
Sêneca, o filósofo estóico, exortava seus discipulos a valorizarem a amizade, quando dizia: ” A amizade é a virtude que o sábio deve apreciar entre todas as coisas”. O pensador de Córdova ensinava que não se pode viver feliz sem olhar para o outro. Ele apontava a confiança, a sinceridade e o elogio em forma de reconhecimento como elementos essenciais às relações duradouras.
Contudo, é preciso não perder de vista que para o exercício da confiança, da sinceridade e do reconhecimento do outro, próprios da boa amizade, é necessário nos aproximarmos das pessoas. Há que se fazer amigos. Não existem fórmulas ou alquimias capazes de garantir a conquista e manutenção de amizades sólidas. Entretanto, alguns cuidados podem ajudar.
A tarefa de aproximação exige muito em tato, sensibilidade e disposição para vencer as dificuldades advindas da timidez ou do orgulho. Em consequência, é preciso atentar para os passos iniciais da trilha da amizade. A primeira impressão pode ser modificada, mas é duradoura, por esse motivo é fundamental formar boa impressão nos primeiros contatos.
Gestos simples podem ter efeitos significativos para promover aproximações agradáveis com possibilidades de progresso:
- Sentimento gera comportamento. É essencial ter atitude positiva em relação aos ambientes que frequentamos. Quando vamos a lugares que nos produzem bem-estar, tendemos a adotar atitude amigável em relação às pessoas que ali estão. A benevolência em relação às pessoas e lugares ajudam-nos a adotar atitude de proximidade e empatia. É sempre bom rever preconceitos e predisposições que alimentamos em relação aos lugares que precisamos frequentar. Talvez muito da antipatia ou mal-estar identificados sejam projeções de fantasias e crenças distorcidas que nutrimos, às vezes de forma inconsciente.
- Comportamento gera comportamento. Nossas atitudes desencadeiam reações no ambiente. Haja com empatia. Olhe nos olhos das pessoas; cumprimente de forma calorosa (sem efusividade em demasia, mas com calor humano). Atente para o que vai dizer; muitos comentários inocentes que fazemos podem ser mal interpretados e surtirem efeito diferente do previsto, (é impossível não dizer algum comentário que, de vez em quando, seja mal-interpretado, mas se ficarmos atentos, diminuiremos as gafes que ocorrem por falta de um pouco mais de ponderação).
Somos seres de solidão e não, para o isolamento. O pensador contemporâneo, André Comte-Sponville diz que somos seres de solidão, ou seja, ninguém pode viver a dor e o desejo do outro. Nós é que responderemos pelas nossas escolhas e ações. Mas, nem por isso precisamos agir como seres isolados. E em complemento, Sponville também nos diz que: “A solidão não é a rejeição do outro, ao contrário, é a solidão compartilhada, habitada, iluminada. A solidão humana é uma regra da existência, mas o isolamento é exceção”. Nós e nossas atitudes condicionam a dimensão e a qualidade dos vínculos que criamos e fortalecemos.
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A relação humana inaugural |
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Somos seres de relação. Somos uma teia humana... |
Outro filósofo que mostrou aspectos reveladores sobre os benefícios da amizade para uma vida bem vivida, foi Montaigne. Ele escreveu nos seusEnsaios: “A amizade cresce com o desejo que dela temos”. E realmente, a leitura de bons autores que pensaram a amizade leva-nos a concluir que, são inúmeros os benefícios advindos do cultivo de boas relações. E essas são frutos, sobretudo, da nossa vontade de cultivá-las.
(Dedico este ensaio a Cacilda Calado, nascida em 3 de abril, data desta publicação. Pequena homenagem a uma
querida amiga.)